𐃆 𐃆 𐃆
Como alguém que vem participando ativamente da pauta do fim da escala 6x1 e da luta pela redução da jornada de trabalho, acredito que é extremamente necessário analisar de maneira minuciosa as atitudes dos principais agentes políticos envolvidos com a causa nesse último ano. Minha perspectiva de análise vem principalmente da minha experiência pessoal de luta em Belo Horizonte.
A luta pelo fim da escala 6x1 vem de um contexto onde há bastante tempo não víamos uma pauta propositiva sendo tão apoiada publicamente, mesmo que de forma ainda muito incipiente. A última campanha massiva pela redução da jornada de trabalho foi durante as greves de 85, cujo objetivo era a redução da jornada para 40 horas semanais. Sabemos que a conquista foi parcial, pois desde a constituinte de 1988 o limite expresso pela CLT é de 44 horas, dando continuidade a escala de seis dias de trabalho e um de descanso.
Em outubro de 2023, a partir de um desabafo nas redes sociais, o jovem trabalhador Ricardo Azevedo fez explodir no debate público uma chamada por uma vida mais digna, por mais tempo de descanso. Nesse meio tempo, ele e outras pessoas fundaram o que conhecemos como Movimento Vida Além do Trabalho (VAT) e várias organizações de esquerda viraram seus olhos para a pauta. Fato é que muitas já tinham a redução da jornada em seu programa político, mas sem qualquer capilaridade expressiva entre a classe trabalhadora, só agora viam a possibilidade de agitá-la com maior intensidade.
Vou dividir esta análise entre os seguintes grupos de forças políticas: 1 - O setor governista autointitulado “progressista” e de caráter completamente burguês, mas que ainda se apresenta com uma alternativa à esquerda (PT, PCdoB, CUT, etc.); 2 - O Movimento VAT e o PSOL, que freiam a luta jogando-a as instituições burguesas; 3 - Os setores combativos, entende-se aqui como aqueles partidos, movimentos e organizações que possuem o entendimento comum da necessidade de organizar os trabalhadores em seus locais de trabalho, por mais vacilantes que possam ser (OCI, PCBR, FOB, PSTU, etc.).
O governo Lula III vem perdendo popularidade e apoio devido à continuidade das políticas neoliberais para agradar o capital financeiro (que sempre quer mais e mais) e outros desgastes como: a taxação das blusinhas, a fake news do Pix e agora o preço dos alimentos. Isso não quer dizer que, caso de repente a linha do PT mudasse radicalmente para um tom desenvolvimentista, isso tornaria o partido ou seu governo menos burguês, por mais que possa iludir algumas pessoas. O partido como representante farsante da classe, um verdadeiro lobo em pele de cordeiro, só se sustenta agora pela figura de Lula (que vem perdendo a popularidade justamente pelas políticas escancaradamente burguesas) e pelo programa vazio de conteúdo do “anti-bolsonarismo” em defesa da democracia. Como este setor tem encarado a pauta da redução da jornada de trabalho tendo em vista esse contexto?
Desde novembro de 2024, quando o assunto voltou a explodir nacionalmente, o governo vinha agindo com indiferença, como se não compelisse a ele tratar do assunto. O Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estava mais preocupado com os cortes de gastos nos programas de auxílio e em conversar com os agentes do capital financeiro. Porém, na mesma época, o Ministro do Trabalho, Luiz Marinho, dava parte da tônica do que seria a linha do governo dali para frente: apoiar o fim da escala 6x1 de maneira tímida, completamente rebaixada e pior, com o argumento de priorizar os acordos coletivos em detrimento da legislação.
Claro, essas eram as declarações (ou a falta delas) dos envolvidos diretos no governo, mas e os demais setores que compõem a sua base? Já mostravam o segundo sinal da linha governista: o oportunismo. A experiência do contato com representantes estaduais das centrais sindicais governistas (CUT e CTB) através de uma ponte feita pela CSP-Conlutas já mostrava isso. A ideia era de somar a pauta do fim da 6x1 ao ato em BH contra a anistia dos golpistas civis e militares, sendo uma das poucas cidades onde isso sequer foi cogitado. Reconheceram a importância da pauta (quase 1 ano depois dela correr as redes sociais) e disseram com todas as letras: “é a luta que atualmente está conseguindo levar mais pessoas as ruas”. No entanto, o apoio era apenas nas palavras, pois toda a agitação antes e durante o ato por parte destas organizações girava em torno da “defesa da democracia” (leia-se, bajular o governo)! Que política sindical é essa onde defender uma suposta democracia é mais importante que uma pauta do trabalho? É certo que as centrais sindicais estão cada vez mais enfraquecidas desde a contrarreforma trabalhista de 2017, mas isso não justifica a completa inação perante as suas bases de trabalhadores.
Agora em 2025 já está difícil de ignorar o apelo popular da pauta. As frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo planejam incluir o fim da escala 6x1 em um plebiscito popular a ser agitado somente a partir de setembro, quanta prioridade! É quase como se quisessem arrastar a pauta para as eleições de 2026 (risos). Nesse sentido, o PSOL tem tomado a frente para buscar o apoio do governo Lula de acordo com Guilherme Boulos, durante a coletiva da protocolação da PEC de Érika Hilton. Como veremos na próxima seção, os parlamentares da majoritária Psolista já vem adotando o tom rebaixado do governo, possivelmente indicando essa futura conciliação.
A ideia de arrastar a pauta até 2026 e de seu máximo rebaixamento para incomodar o menos possível os setores da burguesia apenas denotam, mais uma vez, o caráter oportunista do governo Lula frente a uma necessidade do proletariado no Brasil. Além disso, a atitude das centrais sindicais governistas se mostra um empecilho, já que elas detêm controle sobre boa parte dos sindicatos mais ativos atualmente. Se queremos transformar essa luta em uma luta de grande escala e que desemboque, por exemplo, em uma greve geral, teremos que fazer pressão ativa em cima destas organizações para que elas se mexam contra sua vontade.
O Movimento Vida Além do Trabalho vem cumprindo um duplo trabalho nessa conjuntura. Ao mesmo tempo, em que é o principal catalisador da luta pela redução da jornada de trabalho e que tem a maior capacidade de mobilização para tal, é também o que mais freia a luta em busca de um protagonismo. Já não bastasse toda a questão envolvendo registros do movimento no INPI, a expulsão de militantes e os problemas políticos internos (estes que não irei detalhar aqui, mas que tenho propriedade para falar sobre o período de abril-setembro de 2024), o VAT se recusa a participar dos espaços de construção coletiva das demais organizações, como os da assembleia nacional convocada em janeiro e os atos nacionais do dia 16 de fevereiro. O movimento tem total liberdade para fazer isso, mas claramente demonstra que suas prioridades não são construir a luta concreta, como a organização nos espaços de trabalho. Ao invés disso, deixa a pauta a reboque da institucionalidade, abraçado com os interesses do PSOL.
Falando no partido, o mesmo vem adotando a posição de querer entrar em acordo com o governo Lula, como já anteriormente citado. Porém, para tal, precisam rebaixar a pauta ao máximo, coisa que já estão se dedicando a fazer, como na recente fala da deputada Érika Hilton, que diz que a escala 4x3 “é um sonho” e que a 5x2 já seria aceitável. Para além de regredir na pauta e fazer com que os trabalhadores fora da escala 6x1 deixem de apoiá-la por não sentirem mudança real, como pode já rebaixar tanto assim um discurso num momento onde a PEC sequer começou a ser discutida na CCJ e pela Comissão Especial? Poderia parecer um nível amador de negociação, se não fosse justamente essa a ideia, a condição para o apoio do governo Lula. Não se deve esperar nada do PSOL, principalmente de sua ala majoritária fortemente a reboque do governo.
Agora, o que a Unidade Popular tem a ver com isso tudo? Anteriormente, na primeira versão deste texto, quando comecei a escrever logo no começo do ano, a UP seria posta junta do setor combativo. Todavia, por conta de fatores recentes, a sua situação está no mínimo nebulosa. O partido junto dos coletivos associados e do PCR também não participaram da plenária e tiveram pouca expressão nos atos de fevereiro, logo após aparecem junto ao VAT formalizando uma união. O partido decidiu ficar a reboque do movimento, que está a reboque das decisões da majoritária do PSOL, que está a reboque do governo. Temos um baita congestionamento! O que realmente isso vai significar e como a UP irá agir daqui para frente por enquanto é muito incerto.
Por fim, um acerto positivo do VAT foi o de agitar para a organização das mobilizações no 1º de maio. Essa provavelmente será uma data muito importante que pode definir como a luta se dará daqui para frente. É um dia histórico de luta e um feriado com capacidade forte de mobilização. Se os demais movimentos e organizações conseguirem fazer um bom trabalho de agitação, poderemos expandir e muito a pressão nas ruas. O VAT, ao mesmo tempo, também convoca um “feriado prolongado” no dia 2, pedindo para que es trabalhadores fiquem em casa. A ideia é que es trabalhadores da escala 6x1 tenham mais um dia de folga momentâneo, porém sou extremamente crítico dessa abordagem. Poderíamos fazer uma campanha por uma paralisação forte no dia 2, envolvendo os setores de comércio e serviços, mas ao invés disso simplesmente mandamos as pessoas ficarem em casa, de forma quase despolitizante.
Se queremos que as pessoas sintam a confiança e segurança de faltarem ao trabalho e expressarem o seu apoio pelo fim da escala 6x1, essa confiança deve ser gerada justamente pela capacidade e expressividade da luta que estamos construindo de maneira organizada e politizada. Ouso dizer que se tivéssemos a capacidade de realizar paralisações DENTRO dos locais de trabalho no dia 2 isso seria mais efetivo. É uma realidade muito improvável dada a incipiência de toda a movimentação, mas não custa imaginar.
Essa é provavelmente a sessão aonde eu vou mais refletir do que realmente bater. Eu poderia falar que organização X tem uma posição incorreta e que Y é incoerente com o que defende, mas neste balaio há organizações demais, com bastante heterogeneidade. Seria quase improdutivo falar de caso a caso. Ao invés disso, vou falar sobre ações tomadas que se mostraram assertivas e que podem indicar um caminho a seguir nesta jornada de lutas.
Acho que o ponto em comum que envolve todas essas organizações é o ímpeto de não deixar a pauta esfriar e de ter convocado novos atos de rua após a explosão de novembro. Isso tem sido importante não só para que a pauta chegue naqueles que ainda não tem conhecimento dela (e, por incrível que pareça, muitas pessoas ainda estão alheias a ela), mas também é importante como ferramenta de pressão aos elementos oportunistas e institucionais, porém também acredito que a forma como isso tem sido feita possui certos limites. As manifestações de rua são importantes, mas quanto mais a luta se prolonga mais desgastante elas ficam sem que haja uma organização efetiva do proletariado.
Felizmente, a luta tem ido além dos atos de rua. Já houve greves pontuais onde a pauta da escala 6x1 foi reclamada: PepsiCo, Heineken e os trabalhadores terceirizados da educação de BH são alguns exemplos. Além disso, o trabalho de denúncia e mobilização des trabalhadores da Companhia Záffari não só fizeram pressão na empresa como no próprio sindicato pelego. É esse tipo de construção que precisamos nos inspirar para seguir daqui para frente, e entender como é possível chegar nestas pessoas, e ajudá-las a se organizarem em seus locais de trabalho. É isso que irá construir uma base de luta sólida capaz de efetivamente reduzir a jornada de trabalho e retomar novas possibilidade de luta, não só econômicas, mas também políticas.
Creio que esse foi um panorama geral de boa parte das coisas que vivenciei fazendo parte da luta pela redução da jornada de trabalho. Foi, até o momento, um tempo de atuação curta, não chegando a completar 1 ano de duração, mas já me fez ter contato com as diversas dinâmicas que perpassam todo o movimento e que certamente se refletem em outras lutas. A verdade é que eu já tive vontade de arrancar os cabelos por conta de praticamente todas as organizações que aqui foram citadas, mas acho que fazer este exercício de balanço me ajuda a controlar um pouco essa vontade e me faz focar no que dá para tirar de lição com isso tudo (risos).
Atualmente faço parte de um pequeno coletivo que, acima de tudo, quer construir um movimento operário novamente combativo, e espero que essa minha contribuição possa ajudar de alguma forma. Todos os agentes políticos aqui representados vão querer se mostrar como aliados, e talvez até marcharão em conjunto em certos momentos, mas é preciso ter um entendimento sóbrio dos seus interesses, das suas formas de luta e quais realmente estão do lado do proletariado e quais não estão. Desmascaremos os lobos para que estes não atrapalhem nossos objetivos!