Tribuna - Fundar um Grupo Comunista? (Felix)

𐃆 𐃆 𐃆

pirata

Por Felix

Esta é uma contribuição para o espaço de tribunas de debate do Grupo Comunista Antípoda, mas não necessariamente reflete a opinião do grupo.

Recentemente meu sossego foi perturbado ao tomar conhecimento de como o PCBR no Paraná estava tratando minha saída, no caso, tive acesso a um texto produzido ao boletim interno do PCBR-PR que expressa uma certa confusão sobre o que levou a minha saída, assim como o caráter do próprio Grupo Comunista Antípoda (o texto me foi passado por outra pessoa, e deixo claro que não solicitei que assim o fizesse, orientei que o mesmo deveria se desligar do PCBR e participar junto ao Antípoda em vez de se prestar a tal papel).

Esse incômodo a primeiro momento me levou a perceber que as ideias que o camarada que escreveu o texto ao boletim (que não identificarei nesse texto) coloca, podem ser compartilhadas por outras pessoas que observam os passos do Antípoda atentamente e, com isso, usarei de base o texto citado para tentar resolver essas dúvidas. O texto se chama A disputa interna e o “marxismo-leninismo-ismo” e não será usado na íntegra nessa tribuna.

“Talvez o aspecto mais curioso do desligamento desses ex-militantes, é estarem proclamando terem rachado internamente para construir essa nova organização, mas efetivamente não terem feito nenhum esforço para de fato construir um novo racha e a partir daí criarem uma organização com qualidade. Ao invés disso, decidiram se fechar em um grupo de amigos, todos de Curitiba, e articular um desligamento em massa. Nenhuma tentativa de disputa de mais militantes, nenhuma comunicação  com células do interior – ou mesmo outras células da mesma cidade, nem mesmo buscaram convencer outros militantes que poderiam aderir a essa linha, mas simplesmente não faziam parte desse grupo de amigos – como considero ser o meu caso. Para colocar de maneira clara e objetiva: o Antípoda não surge de um racha dentro do PCBR. Um racha pressupõe diferentes linhas políticas que se chocam até se tornaram inconciliáveis, como foi o caso do nosso racha com o PCB, e outras diversos rachas da história do partido. Surge, sim, de um fraccionismo amiguista preguiçoso.”

Imagino que essa seja uma confusão um tanto comum, quando de fato surgiu o Antípoda? Bem, como o camarada menciona, houve um desligamento em massa de militantes em Curitiba, principalmente na célula de movimento estudantil mas também de um número considerável de direções do Comitê Regional - essas pessoas estavam frustradas por diversos motivos, fosse a deficiência de quadros atuantes no CR para assistir os trabalhos das células e orientá-los, fosse decisões referentes ao processo eleitoral (a participação como orientada pelo CR parecia desconsiderar que a célula de movimento estudantil estava praticamente quebrada devido à sua atuação na greve), fosse inclusive cansaço emocional devido ao inchaço de demônios e sanguessugas na organização, capazes de sugar o espírito revolucionário de alguém como faria um demônio sucubus.

Enfim, o Antípoda surge meses após essa saída, antes, a ideia sequer era cogitada - na verdade, a parte mais difícil foi convencer camaradas experientes, mas cansados, que fazia sentido embarcar na construção de um instrumento de mobilização e disputa política. O camarada erra profundamente em afirmar que o Antípoda foi uma solução proposta ainda dentro do partido, daqueles que tinham “preguiça” de disputar politicamente o partido. 

Na verdade, o Antípoda começou como uma tentativa desesperada de recuperar, trazer de volta à luta, os quadros e futuros quadros que o PCBR estava disposto a jogar fora (isso tudo através de conversas, pequenas reuniões, nas quais foram apresentadas a possibilidade manter a atividade revolucionária e manter o processo de formação política iniciado ainda no PCBR). Mais ainda, no que diz respeito à vontade de disputar o partido: não é difícil concluir que os autores de tribunas do Paraná saíram em sua maioria na mesma onda de desligamento que futuramente conflui no Antípoda.

Talvez o erro do CR paranaense seja de não fazer uma visita às discussões que seus desligados estavam promovendo, onde as críticas às direções provisórias e ao processo congressual já indicavam uma ruptura futura. A total negligência do PCBR frente a essas críticas foi o que permitiu que tirássemos a militância do seio da família (a fé de que haveria o que se recuperar do marxismo-leninismo e uma solução dentro do PCBR) para a teta da maldade (fundar um Grupo Comunista onde romper com o imediatismo e o amorfismo teórico seria aquilo capaz de recuperar seu fôlego).

Por fim, infelizmente o Antípoda não surgiu antes. O camarada convenientemente deixa de lado o fato de que foi uma situação de violência cometida por um militante do partido que estava sendo citada na maioria das cartas de desligamento. O camarada dá a entender que a crise havia sido conscientemente gestada, por um grupo cansado de disputar, quando a realidade é muito mais desanimadora. Meu arrependimento é de não ter tomado essa iniciativa fraccionista que colocam para mim, no tempo em que pensam que fiz isso - pois isso talvez tivesse impedido que muitos militantes valorosos deixassem a luta revolucionária permanentemente (por um erro de condução, uma negligência na condução do processo frente a essa violência).

ERA O MOMENTO CERTO?

Essa é uma confusão que também rodeia o Antípoda, existem aqueles que acham que deveríamos ter escondido nossas intenções fraccionistas e retornado ao PCBR para realizar um “estrago maior” quando, no entanto, seria a gota d’água para nossos membros ter de aturar, ou até mesmo dirigir as ações de organismos sob a linha do partido definida em congresso. 

Esse não é o único fator deixado de lado, essa movimentação pressupõe que a situação do PCBR é a mesma do PCB antes do racha. Não faz o menor sentido tal comparação, até mesmo eu que discordo da linha definida consigo perceber que o XVII Congresso cumpriu o seu papel. 

As várias linhas que disputavam entre si no interior do PCB tiveram terreno para dar cabo dessa disputa. Obviamente, havia uma linha que tinha a vantagem de não se diferenciar do senso comum, que estava em peso nas instâncias de direção e possuía a vantagem de ter membros que individualmente têm mais influência que órgãos inteiros do partido. No congresso, foi esse desequilíbrio que dificultou a disputa para as linhas à esquerda, aquelas que não leram os textos de Marx e Lênin com suas respectivas bundas.

No entanto, passado o congresso não há o que mudar no que já aconteceu. O congresso foi capaz de resolver muitas das tensões que estavam para estourar o PCB, promoveu um ar “democrático” para aqueles que sentiam ser apenas mão de obra das direções, ao menos momentaneamente. E nesse caso, deve-se reconhecer os limites da ação individual de “escrever uma tribuna” como capaz de ter algum impacto significativo. Se nem toda tribuna era aceita, se a biblioteca marxista-leninista preferia publicar o pai do eurocomunismo mas não um comunista de esquerda, se militantes escreviam para disputar com militantes como Jones Manoel, maior do que o próprio partido em termos de influência, nesse caso já se colocava em dúvida se o conselho para “escrever uma tribuna” era apenas ingenuidade, ou um verdadeiro cinismo. 

Mas agora, que o congresso já passou, uma linha foi definida, as tribunas públicas foram fechadas e os estados se fecharam em discussões em si mesmos através dos boletins internos, falar uma coisa dessas é apenas sacanagem. E nem o camarada anonimizado, consciente da importância das direções de disputar as bases (o que ao não ser realizado facilitou muito a fundação do Antípoda, então obrigado pela incompetência) e dos limites do marxismo-leninismo, foi capaz de escapar dessa ideia. Como vemos:

“É claro que quem deveria ter tomado a iniciativa de debater internamente essa nota política (a nota política sobre a Venezuela foi citada em 2 cartas de desligamento, se me lembro bem - Notação Felix) eram os dissidentes. Gritam aos sete ventos que querem a disputa de linhas, mas não buscaram realizar um debate em suas instâncias sobre essa nota, não escreveram uma carta de crítica ao CC ou a CPN”

Não acho que há alguém que verdadeiramente acredite nisso, que a disputa política possa ser travada no mundo das ideias, escondida da vista das bases do partido. Nem mesmo o camarada anonimizado deve acreditar que ao receber correspondências da base, o dirigente se ponha num estado reflexivo, e aperte qualquer botão vermelho de abortar posição. Duas opções se apresentam ao PCBR no que diz respeito à disputa interna, ou diz-se: sua discordância vai contra o que é o marxismo-leninismo (como sua forma amalgama permite dizer a qualquer coisa) e portanto não será aceita; ou cria-se um espaço de tribunas para onde qualquer militante pode escrever. O partido, até o momento, tem escolhido a primeira.

Então, se não foi o momento certo, foi porque postergamos demais a decisão de romper com a linha estéril do PCBR. Esperar não era opção.

PCB-RR-RR-RR-RR-RR?

O camarada anonimizado, apesar de deixar claro que não compreende o Antípoda como um novo racha (e isso está correto), dá a entender que deveríamos ter agido como um. Isso está presente em trechos como “Nenhuma tentativa de disputa de militantes (…) nem mesmo buscaram convencer outros militantes que poderiam aderir a essa linha” mas também quanto à não disputa de células do interior. A resposta para isso é bem simples: 

1 - Não identificamos militantes com proximidade o suficiente do que o Antípoda se propõe a ser, que estariam dispostos a participar de algo que tem chances consideráveis de não dar certo, a consolidar algo ainda longe de ter influência considerável sobre as massas. Não encontramos pessoas que estariam dispostas a passar por um momento privado das recompensas imediatas que o ativismo pode trazer.

2 - Reconhecemos que não temos condições, pelo menos no momento, de formar pessoas que não se enquadram na primeira exigência. Apesar de tudo, reconhecemos que o estado mais consolidado do PCBR, apesar dos fracassos e falhas do mesmo, é capaz de realizar melhor tutela para esses militantes. Basicamente, seria irresponsável dizer para núcleos isolados no interior do Paraná que nós seríamos uma melhor direção para eles - até porque diferimos no que seria uma “melhor direção”. Mas acima de tudo, essa não é uma tarefa imediata de um grupo que ainda nem se considera uma organização.

3 - Não temos bola de cristal e a vontade de se juntar ao Antípoda ainda precisa ser manifestada verbal, textualmente.

Tanto essas condições objetivas do grupo Antípoda (estado não-consolidado, poucos braços e mentes) quanto as condições subjetivas dos militantes do PCBR pós-racha (se o racha foi suficiente, não faz sentido entrar em um processo como esse tão cedo, o gasto de energia em algo assim não deve ser ignorado) fazem com que não seja possível agirmos como um racha, e como não agimos como um, não somos um racha.

ENTÃO O QUE É O ANTÍPODA?

O grupo surge após a saída de militantes do PCBR por vários motivos, sendo composto majoritariamente por antigos membros do referido partido e tem como razão de existir um motivo bem simples: o desgaste vivido dentro dos organismos não foi capaz de matar a convicção revolucionária: tanto a noção de que a revolução socialista é necessária quanto a de que o programa comunista definido por Marx está mais atual do que nunca.

O Antípoda compreende que existem estágios na consolidação de um partido revolucionário, e essa compreensão permite que o Grupo defina seus objetivos imediatos assim como um norte de quais serão suas tarefas futuras. E com isso, diferente do que entende o camarada anonimizado, afirmar que somos atualmente um grupo de estudos implica principalmente em uma coisa: nesse estágio nos é permitido o erro, pois é nesse momento que elaboramos as bases programáticas de uma nova organização. Isso implica em uma recusa à ação? Ao uso da agitação e propaganda e disputa de instrumentos? Não, mas sabemos que fazer isso apenas para fazer é uma armadilha.

O que tantas vezes se chama entre os militantes comunistas de tarefismo é apenas o reflexo de uma ação partidária inconcebida, não porque não há base programática, mas sim porque: ou não há completa apreensão dessa base programática ou essa base programática é insuficiente. Agora imaginem a tamanha desgraça em que se afunda uma nova organização quando não define sua base programática, quando não se separa o joio do trigo e toma tudo como uma possibilidade. Nesse caso, a base programática não só não evitaria o imediatismo, mas o reforçaria: e o imediatismo é uma palavra bem autoexplicativa, o foco no movimento e não no objetivo, o foco em resolver todo problema imediato como se a revolução socialista fosse um jogo a ser platinado.

No caso do racha do PCB-RR, haviam duas opções: ou se focaria na construção de uma linha sólida, mesmo que para isso tivesse de fechar os portões para outras linhas, escolha que tornaria mais fácil que o programa estabelecido no congresso de fundação do PCBR de fato rompesse com os problemas do PCB. Ou, por outro lado, se focaria na capacidade do PCB-RR de continuar tocando seus trabalhos, mesmo que militantes sem discordância nenhuma com o PCB, mas ávidos por fazer alguma coisa, também pudessem participar da construção dessa base programática. O PCBR escolheu a segunda opção.

Não digo que tudo estaria certo se não tivesse escolhido, o resultado dificilmente fugiria do amplo escopo do marxismo-leninismo (ou seja, o uso oportunista de qualquer citação de Marx e Lênin para justificar qualquer mudança de curso e abandono do programa comunista). No entanto, mesmo entre linhas tão parecidas, o desprezo do momento de destruição das linhas erradas tem implicações consideráveis na definição das tarefas dos comunistas brasileiros, na concepção do processo revolucionário, na leitura do Movimento Comunista Internacional. Tal ação implicaria em uma tragédia para um grupo que pretende romper com toda a tradição marxista-leninista.

Ao Grupo Comunista Antípoda, é dada a tarefa de “compreender os níveis organizativos necessários à conquista do poder político pelo proletariado” e realizar uma síntese da aplicação do programa, dos níveis mais gerais aos mais particulares. Isso implica, principalmente, em um esforço teórico.

Por fim, e acredito que não há mais o que se falar do texto, deixo claro que não vou mais aceitar ler vazamentos como esse e que, caso o camarada citado deseje continuar o debate, que o faça através das tribunas do Antípoda (pois não tenho mais redes sociais para que isso seja possível de outra maneira).

Eu também estou em posse de 20 camisetas da UJC que não fazem mais do que ocupar espaço, aguardo contato de algum militante para que possa me desfazer delas.