A organização independente nas escolas é a única alternativa no Paraná

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fotografia de manifestantes invadindo a Assembleia Legislativa do Paraná nos protestos de 2024 contra a privatização das escolas

No último mês, a questão da plataformização da educação paranaense ganhou outras nuances devido à morte de duas professoras da rede estadual durante o expediente. Como resposta a isso, a discussão sobre assédios e acesso de ês professores à saúde ganhou luz. 

Nessa toada, houve dois movimentos mais notórios da APP Sindicato, um chamado de ato e uma nota. Ainda que as duas manifestações sejam legítimas, o direcionamento dado pela APP para a pauta parece equivocado ou, no mínimo, incompleto se observarmos a crescente precarização da educação estadual. O governo de Ratinho Júnior, eleito para seu primeiro mandato em 2018, vem há anos trabalhando para o desmonte das estruturas dos serviços públicos do Paraná, levando ao extremo a comercialização de todos eles e fazendo imperar os ideais neoliberais de Estado. Só no campo da educação, já passamos pela privatização das escolas, pela militarização delas, pela implementação de plataformas, pela contratação massiva de profissionais PSS e pelo fechamento de escolas noturnas. Não dá pra fingir que tudo isso não tem um fundo comum: a abertura de novas fontes de lucro para as empresas das plataformas e da educação privada; a fragilização, má remuneração e fácil substituição dos empregos; e a apresentação de resultados estatísticos na propaganda política do governador - que tem funcionado, criando a ilusão de desenvolvimento estável em meio à crise e reelegendo Ratinho. 

Frente a essa crescente de controle, assédio moral e pressão nas escolas, a orientação da APP Sindicato, entidade que supostamente deveria ser ferramenta de luta da categoria, foi para que aquelus que sofram assédios denunciem [1], ignorando que a denúncia será feita para um órgão que também está sob a mesma direção, e dando um caráter burocrático e individualista ao combate às pressões e assédios do local de trabalho. Se a luta continuar limitada nesse sentido, nossos professores seguirão morrendo em sala. 

Além disso, colocar a culpa das cobranças por metas na existência de tal plataforma ou de tal prova de grande escala aponta uma falta de compreensão do cenário político da educação e maqueia as escolhas da SEED. O RCO (Registro de Classe Online), por exemplo, começou a ser pilotado na rede em 2013, ainda em tempos de Beto Richa, no entanto ainda não possuía o caráter fiscalizatório que possui hoje. Outro exemplo do uso do mesmo sistema é a Rede Municipal de Ensino de Curitiba, onde esse sistema não possui explicitamente essa função. Ou seja, exigir o “Fim das metas e do Power BI” ou “Fim da fraude do Ideb” é dar o poder de agente à plataforma e às provas e tirar da Secretária de Educação a autoria das normas da educação.

Isso, porém, não deve tirar das plataformas o papel que exercem no esvaziamento de conteúdo do processo de trabalho docente. O problema que apontamos aqui não é de que as plataformas são “neutras” e a SEED a inimiga, mas de que o caráter das plataformas enquanto, primeiro, ferramentas de imposição de formas mecanicistas de docência e, segundo, fontes de lucro para empresas de tecnologia (a responsável pelo Power BI, por exemplo, é a Microsoft), não é propriamente articulado com o projeto político em curso no Paraná em demandas como essas [2]. 

Esses posicionamentos equivocados do sindicato têm algumas consequências na capacidade de mobilização de ês servidores. Em curto prazo, as questões de assédio e saúde não serão resolvidas. Já que, em uma visão otimista, caso a tímida pressão legalista visando a proibição do uso das plataformas e das cobranças funcione, é questão de tempo para que o governo estadual encontre outras formas de garantir a falsificação de índices, tendo em vista que todos esses procedimentos surgem da transformação da educação pública em mercadoria e em propaganda de governo. Em um longo prazo, se perde durante o tempo a combatividade da categoria docente paranaense. Categoria essa que em junho do ano passado, quando era votada a privatização das escolas, colocou 20 mil pessoas nas ruas do centro de Curitiba, ocupou a Assembleia Legislativa e não teve resultados devido ao peleguismo da APP, que não soube o que fazer frente à repressão. Assim, em ambos os cenários, quem perde são ês trabalhadores da educação.

É importante, neste momento, reafirmar o papel dos sindicatos na manutenção do capitalismo: seus burocratas devem “cuidar dos problemas” dos trabalhadores por eles, e nesse sentido é de se esperar que a atuação da APP tome um rumo principalmente jurídico e não apresente os motivos estruturais dos problemas que busca denunciar. Nosso objetivo aqui não é “dar conselhos” à APP, mas expor seus limites a partir de exemplos de sua própria atividade. É preciso encontrar no interior da própria categoria, nos locais de trabalho e comunidades escolares, quais são os modos de luta e organização independente dos trabalhadores e, a partir disso, entender como se articulam em sentidos propriamente combativos. Desse modo, é possível vislumbrar uma luta docente com demandas organizadas que explicitem que os problemas de hoje não começaram em 2018 e não terão fim com o fim da plataformização, mas fazem parte da lógica capitalista de exploração do trabalho nas escolas como um todo.

Prestamos solidariedade às famílias, amigues, alunes e colegas de trabalho das professoras Silvaneide Monteiro Andrade e Rosane Maria Bobato.

[1] - https://appsindicato.org.br/nota-da-app-sindicato-lista-legislacao-que-proibe-a-seed-de-obrigar-a-utilizacao-de-plataformas-digitais/ 

[2] - Tiramos essas demandas deste chamado para ato da APP: https://appsindicato.org.br/educadoresas-da-rede-publica-estadual-convocam-dia-de-mobilizacao-pelo-fim-do-assedio-e-da-politica-de-adoecimento-da-seed/