𐃆 𐃆 𐃆
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COMUNISTAS,
É fato que o cadáver do marxismo-leninismo expirou há tempos e que agora o que resta de sua carniça é seu fedor. Sabemos da dificuldade de deixar algo morrer quando esse vive em suas memórias. No entanto, a cadaverina os têm enlouquecido e chamam de racha seus movimentos que mais parecem um cachorro correndo atrás do próprio rabo!
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Não conseguindo ver além do que o é apresentado, resta ao marxista-leninista se apegar à lembrança de que em algum momento ele esteve no ápice, o partido era mais forte, maior, e portanto mais relevante. Do momento em que falar de comunismo não era motivo de deboche quando fazia sob os pelos do bigode de Stalin — e naquele momento, apesar dos pontos negativos (MLs geralmente dizem enxergar alguns pois não são idealistas) ser marxista-leninista realmente era uma posição muito mais confortável, nem pensar por si próprio era necessário, devia-se apenas seguir o manual!
A partir do momento em que não há mais imagem a espelhar, os marxistas-leninistas ficam sem saber o que fazer, sempre perdendo o trem da luta de classes.
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O cavalo marxista-leninista está há tempos cego pelo antolho que é o centrismo, posição de onde não consegue sair. Para esse cavalo, o movimento é tudo e a meta final, nada, e assim ele corre sem saber para onde.
O partido (é claro) sabe de sua insignificância, reconhece que a social-democracia já o superou em todos os sentidos. Os partidos comunistas atuais não buscam negar desde a raiz a linha social-democrata, pelo contrário, agem como se as traições dessa fossem um detalhe, um erro menor e se propõem a serem os sociais-democratas que não erram. Se apresentam como independentes o suficiente para realizar tudo aquilo de que nossos traidores algum dia disseram ser partidários.
É questão de tempo até que se torne apenas mais um. O atalho deixa de ser um atalho e passa a ser o objetivo final, pois isso é mais fácil de visualizar quando os antolhos apertam demais a vista. Os motivos disso são sua falta de imaginação para além do que lhe é apresentado e sua falta de compromisso com o programa e o processo revolucionário como realizado em 1917, que se somam a essa tentativa desesperada de ser a alternativa revolucionária dentre os partidos sociais-democratas.
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O Antípoda visa articular, inicialmente, a disputa pública e estudo teórico, mas seu objetivo final é participar da construção do partido comunista, que não existe atualmente a nível mundial — ainda que muitos se proclamem assim.
O partido comunista enquanto organização formal não surge a partir da auto-proclamação aleatória. Ele se desenvolve inicialmente com a formação de um programa sólido: a partir de um esforço teórico que busca separar as posições corretas das erradas, com o estudo do conteúdo original do programa comunista, historicamente invariante, assim como das experiências históricas de organização. Somente com a determinação teórica e organizativa é que se deve começar a formar quadros e buscar se inserir em sindicatos e organizações de lutas econômicas da classe trabalhadora; essa inserção deve buscar influir na luta de classes de forma cada vez maior, disputando sindicatos e comitês de fábrica cada vez mais centrais, até que possa sustentar e, eventualmente, generalizar a dualidade do poder nos mais amplos setores proletários, com os conselhos operários.
Assim, quando se dirige sindicatos centrais e conflitos importantes, com a participação efetiva na luta de classes, o partido torna-se o partido de vanguarda. E com a instauração da ditadura do proletariado, torna-se o partido de massas. Mas, sem passar por esses momentos, não deixa de ser apenas uma organização.
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O cerceamento do debate entre comunistas é prática comum no movimento já há cerca de um século. A partir do processo de bolchevização dos partidos comunistas, ou seja, a transposição mecânica dos métodos do partido russo aos outros partidos da Internacional, buscou-se aplicar a proibição de frações — utilizada pelos bolcheviques em seus momentos de maior ilegalidade, devido à perseguição czarista. Isso não passa, é claro, de uma solução organizativa, do plano da disciplina, a um problema — o fracionismo — que só pode ser resolvido no plano histórico e político.
Se um partido é inadequado para resolver os problemas históricos do proletariado, o fracionismo seguramente virá; a solução para isso não são gritos acusativos que igualam o fracionismo a um problema moral, muito menos cláusulas estatutárias que garantam a tão desejada unidade de forma inorgânica, sob programas mal definidos. A solução é a possibilidade de organização interna dos membros do partido em diferentes frações que possam disputar entre si, de forma a depurar organicamente os elementos não-comunistas que o compõem, tanto em suas fileiras quanto em seu programa.
Inclusive, não é de hoje a discussão que existe sobre o uso da polêmica pública como forma de depuração de linha e manutenção da unidade, com as noções de que isso enfraquece o partido, expõe seus pontos fracos. Afirmamos, no entanto, que o uso da polêmica pública é outro, não uma prática que pode ser adotada quando a unidade precisa ser restabelecida e abandonada quando é restituída e as direções renovadas. Sua real razão de existir é o fato de que é na polêmica pública que a linha pode ser testada contra outras intermitentemente, sendo destruída quando errada e destruindo as outras quando correta.
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Nossos comunistas sabem que é importante atuar junto “do povo” e por isso pegam todos os atalhos possíveis para inflar suas fileiras — mesmo que o potencial revolucionário dessas multidões seja quase ou igual a zero, dado o período de refluxo revolucionário em que nos encontramos. Dessa forma, o partido que esses marxistas-leninistas desejam é um que esteja sempre inserido no movimento de massas, independentemente das influências historicamente determinadas que atuem sobre este, fazendo de tudo para parecer maior do que é, mais relevante do que jamais foi, e assim renunciando qualquer resquício do programa que antes tinha.
Para ele, estar tão inchado quanto um partido da ordem é suficiente para forçar um ascenso revolucionário, do qual aspira ser a direção; sua única perspectiva é aparecer como mais uma opção dentre esses partidos do capital, buscando “disputar a consciência”, conseguir atenção na mídia, “popularizar” o marxismo. Dessa forma, tomam a classe trabalhadora apenas como um objeto, uma estatística, renunciando sua função mais importante: transformar essa classe-objeto em uma classe-sujeito.
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O que queremos dizer, e esperamos que fique claro: o centrismo e a reprodução quase inconsciente de velhas carcaças pode em algum momento dar brecha para se espiar para além dos antolhos, mas essas serão logo tapadas enquanto o objetivo do partido for o crescimento imediato, enquanto a base não for o programa comunista, mas sim as necessidades imediatas e o vício ativista. Portanto, se entendemos a necessidade de romper com o centrismo, precisamos também romper com as estruturas que o reforçam e o incentivam.
Um exemplo dessa tendência é o recente racha do PCB, que criou o PCBR, um racha que, em sua busca por um grande número de militantes vindo do antigo partido para o novo, terminou com a mesma indefinição programática; coisa que podemos observar, por um lado, na grande diferença interna entre as razões para rachar — desde militantes frustrados com o desrespeito às resoluções do congresso anterior até militantes que encontravam problemas profundos nessas mesmas resoluções — e, por outro, na discrepância entre as intenções declaradas pela direção (da construção de um partido verdadeiramente revolucionário) e o que é publicado pelo novo Órgão Central — a título de exemplo, entre as resoluções sobre o frentismo e a nota política sobre a Venezuela. Textos esses que não se diferenciam da linha política que diziam combater.
O centrismo de que falamos aqui é justamente a indefinição programática, caracterizada acima de tudo pela falta de princípios, que visa a manutenção de certos fraseólogos nas posições de direção, que nega a disputa orgânica, e coloca em seu lugar tribunas e textos individuais que podem ser negados pelo Órgão Central com a justificativa de que rompem com indefinível marxismo-leninismo. O amorfismo de linha é então peça chave para o centrismo do PCBR, ele permite que diferentes posições sejam aceitas ou negadas arbitrariamente na disputa do partido, que sejam puxadas de um lado para o outro, a depender da correlação de forças; resumidamente, é a ferramenta que permite a sua flexibilidade total nos princípios e inflexibilidade total com a divergência.
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Sabemos que a revolução é uma necessidade imediata e que assim os partidos atuais justificam qualquer rebaixamento de linha pois para eles “isso é necessário”, mas mesmo que vistam seu reformismo com discurso sobre contradição e dialética, a própria dinâmica da luta de classes irá rasgar esse véu. O que queremos não é um mero capricho, é a garantia de que o processo revolucionário destruirá a lei do valor e seus componentes, e não apenas a mudará de dono. Não queremos capitalistas vermelhos, não queremos burocratas, não queremos seus sonhos de produtores pequeno-burgueses. Sabemos que é isso o que acompanha as deturpações do programa comunista, seu nacionalismo, sua democracia, sua produção de mercadorias “do povo”, “operárias”. Tais atalhos são trapaças que já se mostraram inúteis, mas ainda assim não se consegue enxergar além do que os é apresentado.
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Sobre a crosta terrestre existem vários e vários pontos possíveis de existência, entretanto, o único que os comunistas devem buscar é aquele diametralmente oposto de onde nos encontramos. A partir de um grupo cansado de meios rachas, cansado de meias revoluções, o Antípoda vem para afirmar que apenas com a negação total daquilo que existe é que podemos atravessar o mundo presente, num movimento de destruição de seu núcleo para que colapse em si mesmo — dando início a algo nunca admirado.